segunda-feira, 6 de junho de 2016

Mudanças no Projeto Bastardas

O Projeto Bastardas surgiu após uma conversa de quatro amigas a respeito de um livro. A ideia era montar um clube de leitura online, escolher uma obra por mês para debater e postar opiniões no fórum. No começo foi bem bacana, mas aos poucos notamos uma queda no número de comentários, um certo desânimo e o engessamento do formato nos incomodava. Em tempos de praticidade na internet isso é mais do que normal e começamos a pensar em alternativas para que o projeto continuasse.

Há poucos meses começamos a postar todo dia em nossa página, com o intuito de divulgar não apenas a literatura feita por mulheres, mas também todo tipo de ação e publicação artística feminista. Isso tem nos animado bastante e decidimos manter o Bastardas assim, como um canal de divulgação.

O blog continuará. Escolheremos uma autora por mês e daremos destaque para ela. Publicaremos resenhas, matérias e entrevistas sobre a mesma. Manteremos o fórum como está, caso alguém queira comentar alguma postagem antiga. Também podemos ceder o espaço caso algum coletivo ou clube de leitura queira fazer alguma discussão.

Para junho escolhemos Svetlana Aleksiévitch, Nobel de Literatura de 2015. A autora estará presente na FLIP deste ano e está sendo homenageada pelo clube de leitura Leia Mulheres em alguns estados brasileiros.

Esperamos que vocês gostem das mudanças e continuem acompanhando as nossas postagens. 



terça-feira, 26 de abril de 2016

Maio: "Linha M" de Patti Smith

Olá!

Voltamos após um breve hiato. :)

Para o mês de maio, escolhemos "Linha M", novo livro da Patti Smith. Após o maravilhoso "Só Garotos", Patti retorna com mais um livro de memórias. 



Recomendamos também a leitura de "Só Garotos". Neste livro, Patti conta um pouco de sua própria vida, mas o foco é sua relação com o também artista Robert Mapplethorpe. A narrativa de Patti é envolvente e é impossível não se apaixonar por suas histórias. 

Clique aqui para conhecer o trabalho de Mapplethorpe. 

Resenhei "Só Garotos" aqui

 

Abriremos o fórum para discussão no dia 29 de maio.

Boas leituras a todos e até breve!

quarta-feira, 2 de março de 2016

Março: "Ana de Amsterdam" de Ana Cássia Rebelo

Olá,

Gostaram de "Vasto Mundo"? Não deixem de passar lá no nosso fórum para comentar suas impressões do livro. 

Para março escolhemos um livro um pouco pesado, "Ana de Amsterdam", da portuguesa Ana Cássia Rebelo. Recém publicado pela Biblioteca Azul, ele é um apanhado de textos de seu blog de mesmo nome. Organizado pelo jornalista e crítico português João Pedro Jorge, este livro nos traz a escrita crua e direta de Ana, que oscila entre momentos de tédio e depressão. 



Dia 31 de março abriremos um tópico para falar deste livro lá no fórum.

E uma curiosidade: o nome do blog de Ana Cássia veio de uma música do Chico Buarque


Abraços e boa leitura a todos!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Por que ler mais escritoras?

O projeto Leia Mulheres existe para tentar minimizar o abismo que há na diferença do tratamento dado a homens  e mulheres não só no mercado editorial, mas no universo literário como um todo. É uma ideia simples, mas sobre a qual de vez em quando surge alguma polêmica. 
Lemos mulheres não porque nos interessemos em *temáticas femininas*, mas porque mulheres são menos publicadas, menos premiadas, menos lidas, menos respeitadas e, sobretudo, menos estimuladas a escrever.
Não é raro ouvirmos histórias de escritoras que recorrem às abreviações de seus nomes ao serem publicadas porque, segundo o senso comum, apenas mulheres se interessam pelo conteúdo produzido por outras mulheres e isso significa, de partida, 50% a menos de possíveis leitores de uma publicação que traga um nome feminino na capa. Foi o caso de J. K. Rowling, escritora britânica autora da série Harry Potter que, depois de diversas recusas, foi publicada com o pedido de seu agente literário de que abreviasse seu nome. Segundo ele, meninos não leriam um livro escrito por mulher.
Quando escrevem, na maioria das vezes, as escritoras estão condenadas a serem um nicho da literatura. Enquanto homens escrevem histórias clássicas e estão aptos a fazer a literatura dita universal, resta às mulheres o estigma da Literatura Feminina, sejam quais forem os temas que suas obras abordem.
Aparentemente, nenhuma mulher escapa de escrever sob o signo do seu Olhar Feminino. Isso me faz lembrar de quando dei a painho a notícia de estar organizando em São Luís um grupo de leitura para ler somente escritoras mulheres. Ele me falou: "Que bom, filha, vocês vão ler literatura feminina? Muito bom!" ao que o respondi: "Não, painho, não é literatura feminina, será literatura feita por mulheres". Tenho certeza de que ele não percebeu a diferença, mas esse pequeno diálogo é bem significativo.
Me lembra também que na FELIS (Feira do Livro de São Luís) do ano passado houve uma mesa de debates intitulada "Nova literatura brasileira: olhares femininos” cujas debatedoras foram Simone Campos, escritora e tradutora do Rio de Janeiro, Jorgeana Braga, poeta e escritora maranhense e Micheliny Verunschk, historiadora e escritora pernambucana. De cara me incomodou bastante o fato da única mesa composta somente por mulheres do evento trazer justamente o ponto de vista feminino como chave da discussão, enquanto nenhuma mesa composta por homens citou essa entidade mística que ninguém nunca viu, nem conhece, chamada olhar masculino.  Andréa Oliveira, a mediadora, iniciou a conversa levantando esse questionamento e consultando as três escritoras sobre a possibilidade de largarem mão do tal olhar feminino para analisarem a literatura brasileira contemporânea e ponto, no que todas concordaram.
O debate correu maravilhosamente bem até que no final o microfone foi aberto às perguntas da plateia. Não lembro como, mas a questão do Olhar Feminino foi levantada novamente e um poeta ludovicense, ao dar sua opinião, disse ser natural que mulheres falem mais sobre sentimentos que homens e que não saibam construir personagens masculinos verossímeis pois lhes falta testosterona.
Cara, ó as merda que a gente tem que ouvir.
Recuperada da náusea, imaginei cá comigo o nome da mulher que teria escrito Ana Karenina para Tolstói. Aliás, tenho uma dúvida, essa lógica alcança também os homens e os impede de construir personagens femininos complexos e bem estruturados ou a falta de estrogênio não afeta sua ficção como a ausência de hormônio masculino afeta as mulheres?
Nunca pensei em um dia ter de escrever sobre tamanha obviedade, mas esse comentário – ratificado por outros homens da plateia – mostra o contrário.
O artista não possui sexo e escrever, aliás, a criação de um modo geral, é um exercício de humildade e empatia no qual quem cria reserva sua identidade num canto para dar espaço e voz ao que pretende criar.
Acredito sim que, no caso da literatura, hajam duas categorias de escritores, mas elas não são as de homens e mulheres, e sim as de bons e maus ficcionistas. Aos homens e mulheres que tentam e não conseguem criar personagens verossímeis, complexos, plausíveis, não faltam hormônios e sim técnica, talento, exercício, inspiração, ou o que o valha.
Restringir escritoras à categoria de gênero é dizer sem palavras que a voz da humanidade pertence aos homens. O exercício de ler mais escritoras é ir de encontro a essa aberração. Num universo que, como dito acima, publica, premia, lê e estimula menos as mulheres que os homens, tomar a consciência de tais coisas e agir para revertê-las é o mínimo que podemos fazer. O caminho é longo.
Há quem diga que não deveríamos ler gênero e sim ideias, e que preterir a obra de homens em relação às obras das mulheres é cair no equívoco estar excluindo e discriminando homens, praticar a mesma coisa que se pretende combater.
Discordo completamente.
Nós lemos gênero sim! Basta cada um de nós analisar a própria estante ou o próprio histórico de leitura: nós lemos homens (brancos, europeus, heterossexuais...). Nossas estantes refletem todo um processo histórico que cuidou de manter mulheres afastadas de um possível desenvolvimento e produção intelectuais e as relegou aos papeis domésticos e da maternidade. Analisando rasteiramente, vem daí a diferença abissal de quantidade de homens e mulheres na literatura (e não só nela). Estimular, publicar, ler e premiar majoritariamente homens é apenas a manutenção de uma tradição misógina desde sua raiz. E é por isso que o Leia Mulheres não pratica o que pretende combater, pois há toda uma estrutura de desigualdade que privilegia e prestigia homens há séculos. Trabalhar para dar às mulheres um espaço que NUNCA deveria ter sido exclusivamente masculino é qualquer coisa menos discriminar homens. Aliás, é desonesto dizer que sim.
Há muito chão pela frente e minha geração provavelmente não vai ver nenhuma grande mudança nesse quadro. Mas haverá o dia em que o homem não mais será o ponto de referência através do qual olharemos as mulheres (também na literatura). Terá chegado finalmente o tempo de ler ideias, não gêneros. Até lá, vamos sim abrir espaço para escritoras nas nossas estantes e cabeceiras, nem que seja à base do chute na porta. Vamos colocando os tijolinhos que pudermos construção desse futuro que talvez ele chegue mais rápido.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Fevereiro: "Vasto Mundo" de Maria Valéria Rezende

Olá! 

Gostaram de "Americanah"? Esperamos que sim!

Para fevereiro, vamos voltar para a literatura brasileira contemporânea, e a escolhida foi Maria Valéria Rezende. A freira (sim, isso mesmo!) foi ganhadora de dois Jabutis no final do ano passado: melhor romance e livro do ano de ficção, com "Quarenta Dias". 


Escolhemos começar com "Vasto Mundo", mas o fórum estará aberto para discussão de quaisquer outras obras delas. Nós somos fãs da escritora e pretendemos ler tudo que ela escreveu. Convidamos a todos a nos acompanharem.

Abriremos tópico no fórum para discussão no dia 25 de fevereiro. 


Boas leituras!

Bastardas

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Americanah

Creio que muitos de nós conhecemos Chimamanda Ngozi Adichie por conta de seus famosos TEDs "O perigo de uma única história" e "Sejamos todos feministas". Nascida na Nigéria em 1977, ela tem três romances publicados (todos lançados no Brasil pela Companhia das Letras), um livro de contos e a transcrição de seu discurso sobre feminismo (também pela Companhia das Letras). "Americanah" foi seu primeiro romance que tive a oportunidade de ler e já me considero admiradora da obra de Chimamanda. 

"Americanah" é um romance longo, mas com uma narrativa aparentemente simples. Ifemelu é uma mulher nigeriana que mora nos Estados Unidos há mais de uma década, e em dado momento decide retornar a seu país de origem. A premissa é curiosa, visto que em vários outros livros é justamente o contrário, a pessoa sai de sua terra natal em busca de oportunidades melhores em outros lugares. 

O livro parte desse momento em que Ifemelu decide voltar para a Nigéria. Ela está em um salão fazendo tranças em seu cabelo, se preparando para partir dos Estados Unidos e começa a retomar seu passado, sua infância, seu namoro de adolescência com Obinze, bem como uma leve pincelada na história da Nigéria. Indo e voltando no tempo, ela fala de sua família, das dificuldades de se mudar para a América, da sua relação com amigos, namorados e empregadores.

Como dito acima, o enredo é simples, mas aos poucos a autora discorre sobre racismo, sobre ser mulher em um país estranho, sobre gordofobia e sobre demais assuntos incômodos (nas palavras dela), mas que precisam ser discutidos. Ifemelu, em determinado ponto da história, cria um blog para narrar experiências suas ou observadas por ela, a respeito de racismo. Tal blog se torna um sucesso e ela passa a viver exclusivamente dele. No livro temos alguns dos posts fictícios que são ótimos debates. 

"Americanah" fala sobre ser estrangeira, sobre não se sentir em casa no novo país, sobre não se reconhecer no país em que nasceu. O livro também trata da dificuldade que as pessoas de países de terceiro mundo têm para conseguir cidadania e arrumarem bons empregos nos Estados Unidos e em alguns países europeus.

A leitura é ótima e prende a atenção. Do meio para o final a narrativa perde um pouco do fôlego, mas nada que prejudique o brilho e o valor do livro. Algumas pessoas não gostaram do final. Eu particularmente gostei, mesmo acostumada com finais trágicos ou pouco costumeiros, foi bom me deparar com um final mais "clássico".

É um livro que fica na cabeça. É uma leitura essencial para todos, principalmente para aqueles que acham que não existe mais racismo no mundo e que negros se vitimizam. As dificuldades que as pessoas negras enfrentam são infinitamente mais profundas, e Chimamanda fala disso didaticamente em "Americanah". 


Já está aberto o tópico para discussão em nosso fórum.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Mal-entendido em Moscou

Talvez seja possível, e igualmente ou mais interessante, percorrer as páginas da novela “Mal-entendido em Moscou” à margem do trilho autobiográfico que costuma conduzir a obra escrita por Simone de Beauvoir, mas minha leitura foi naturalmente guiada pela leitura recente do livro "Tête-a-Tête", uma biografia da história, e das histórias - entre as quais estão incluídas as passagens por Moscou - vividas por Simone de Beauvoir e Sartre.

No livro "Tête-à Tête", Hazel Rowles diz que os leitores frequentemente se desiludiam com a Simone antevista na ficção produzida pela filósofa e escritora que, de alguma maneira, assumia, através das personagens que a representavam, inquietudes assinaladas como tipicamente femininas. No entanto, o que muitos consideravam ou consideram como falha ou faqueza é precisamente o que a autora expõe de mais interessante sobre si.

Nicole, a personagem que seria Simone, no triângulo romântico que, tornado ficção, transforma Sartre em André e a tradutora russa com quem ele viveu um romance em filha do personagem que o corresponde, é uma mulher aparentemente realizada, mas insegura diante das transformações inevitáveis trazidas pela passagem do tempo. A partir de um encontro com Macha e dos acontecimentos provocados por esse encontro, Nicole passa a questionar as próprias escolhas e  o modo como enxerga a si e à própria vida. Da preocupação com o peso e com a aparência ao excesso de zelo com companheiro e com o filho, Nicole sofre questionamentos que, ainda hoje, afligem muitas de nós.

Habituados à imagem da Simone imortalizada pela coragem e pela intelectualidade, talvez os leitores daquela época, e os leitores de hoje, tenham encontrado dificuldade em aceitá-la, espelhando-se em ficção, como uma mulher considerada normal.

Mais que de mitos, a escrita e os livros precisam de boas histórias. Simone de Beauvoir, além da coragem de expor os pensamentos que marcam a história do feminismo e do existencialismo, viveu muitas boas histórias que soube, e pôde, contar. Mal-entendido em Moscou Simone de Beauvoir 144 páginas Editora Record
  O livro Mal-entendido em Moscou foi debatido no primeiro encontro do projeto #leiamulheres em Itapetininga, que aconteceu em novembro de 2015, e acontece mensalmente em diversas outras cidades brasileiras.